sábado, 10 de abril de 2010

A Espectroscopia e a Química

Sabia-se desde a Antiguidade que a luz solar pode ser decomposta nas cores do arco-íris, mas foi Newton, no século XVII, que pela primeira vez descreveu de forma adequada o fenômeno da decomposição da luz por um prisma, assim como de sua recomposição por um segundo prisma. O conjunto das cores obtidas com o prisma é conhecido como espectro, e varia do vermelho, numa extremidade, ao violeta, na outra. Além das chamadas sete cores do arco-íris, o espectro solar também apresenta radiações invisíveis ao olho humano. Como é que podemos comprovar isso?

Os químicos sabem muito bem que o cloreto de prata é um sólido branco que escurece por ação da luz.

Este é o princípio da fotografia em preto e branco. O filme fotográfico contém uma suspensão de um composto semelhante, o brometo de prata, que também escurece ao ser atingido pela luz. Este fenômeno, comum aos dois sais, não se deve ao cloreto ou ao brometo, mas sim à prata, presente em ambos os compostos. A reação que ocorre é a redução dos íons de prata, promovida pela luz e pelo processo de revelação, originando o metal finamente dividido, que é preto.

Em 1777 o químico sueco Carl Wilhelm Scheele resolveu pôr amostras de cloreto de prata em cada uma das diferentes regiões coloridas do espectro solar obtido com um prisma. Percebeu, então, que o escurecimento do material se processava mais intensamente quanto mais próximo da extremidade violeta. Isto devia significar que a luz violeta era a mais energética do espectro, pois era a que mais acelerava a reação.

Em 1801, o alemão Johann Wilhelm Ritter decidiu pôr uma amostra de sal de prata na região escura além do violeta. Qual não foi sua surpresa ao verificar que a reação de redução da prata se dava com mais facilidade ainda. O inglês William Hyde Wollaston fez nessa época, independentemente, a mesma descoberta. A conclusão desse experimento é que existe no espectro solar uma radiação de energia mais alta que a luz violeta; a essa radiação, invisível a nossos olhos, chamou-se ultravioleta.

Podemos dizer que a temperatura de um corpo é uma medida de sua agitação térmica, isto é, das vibrações de suas moléculas ou partículas. O astrônomo inglês William Herschel, em 1800, experimentou colocar o bulbo de um termômetro em cada uma das regiões coloridas do espectro solar. O resultado observado foi que a temperatura do mercúrio aumentava pela incidência da luz, mas esse era mais rápido quanto mais próximo da extremidade vermelha. Ao testar a região não iluminada depois do vermelho, Herschel descobriu que a temperatura subia ainda mais rapidamente. A radiação invisível que provocava este efeito foi então denominada de infravermelho. Estava assim demonstrado que a luz continha componentes não detectáveis por nossos olhos, em adição à porção visível. Numa linguagem moderna, dizemos que o ultravioleta é uma radiação muito energética capaz de promover reações químicas que envolvem transições eletrônicas, como a reação citada:

Ag+ + e- => Ag

Por outro lado, o infravermelho é uma radiação de baixa energia, e esta coincide com a faixa de energia necessária para fazer vibrar — isto é, movimentar uns em relação aos outros — os átomos de uma substância sem provocar uma reação.

Wollaston também descobriu que ao trabalhar com um feixe de luz muito estreito — oriundo de uma fenda de 0,01 mm, e não de aberturas maiores, como havia feito Newton

—, o espectro solar resultante apresentava sete linhas negras sobrepostas às cores brilhantes. O jovem construtor de instrumentos ópticos alemão Joseph Fraunhofer, usando inicialmente prismas e depois grades de difração, constatou que o espectro solar na realidade contém centenas de linhas negras sobre as cores. Algumas dessas linhas podem ser vistas no espectro solar mostrado na Fig. 1.

Fraunhofer designou as linhas mais fortes pelas letras do alfabeto, de A até I, e mapeou 574 linhas entre a linha B (no vermelho) e a linha H (no violeta). Também ocorriam linhas nas regiões invisíveis do espectro. Com o passar do tempo, verificou-se que o número de linhas era bem maior, chegando a vários milhares. Desde muitos séculos se sabia que muitos materiais também podem emitir luz quando excitados. Este é o princípio dos fogos de artifício: para obter uma luz verde usam-se sais de bário; para uma luz vermelha, sais de estrôncio; amarela, de sódio, e assim por diante. Aliás, todo mundo já deve ter reparado que ao escorrer água com sal (cloreto de sódio) de uma panela no fogão, a chama do gás fica amarela. O mesmo princípio é usado nas lâmpadas de vapor de sódio de iluminação pública, de luz amarelada. Fraunhofer notou que ao se passar por um prisma a luz emitida por aqueles materiais incandescentes, o resultado era um espectro discreto, e não contínuo como o espectro solar. Esse espectro discreto era formado por linhas luminosas brilhantes, cujas energias pareciam corresponder

àquelas das linhas negras sobrepostas ao espectro solar. Outro aspecto interessante percebido por ele foi que o conjunto de linhas negras do espectro solar era idêntico ao do espectro da luz da lua ou dos planetas, mas diferente das estrelas, cada uma da quais apresentava um espectro particular.

Ora, a luz da lua ou dos planetas é apenas um reflexo da luz solar, ao passo que as estrelas emitem luz própria. Será então que o espectro de cada estrela poderia ser uma impressão digital da estrela em termos de sua composição química? A colaboração de dois cientistas da Universidade de Heidelberg, na Alemanha, levou a conseqüências de enorme alcance para a química e a física. O químico Robert Wilhelm Bunsen, inventor do queimador de gás comum de laboratório, associou-se em 1859 ao físico Gustav Robert Kirchhoff na criação do espectroscópio, mostrado na Fig. 2, instrumento simples mas de alcance extraordinário. Kirchhoff percebera que duas linhas escuras no espectro solar, chamadas de linhas D por Fraunhofer em 1814, coincidiam com as linhas amarelas emitidas por chamas contendo sódio (Fig. 1).

Quando se introduzia um sal de sódio na chama do queimador de Bunsen e a luz emitida era passada por um prisma, observava-se o espectro de emissão do sódio, representado pelas linhas luminosas amarelas. No entanto, ao passar uma luz branca contínua, obtida pela queima de gás ou por um arco elétrico, através da chama de sódio, o resultado, após atravessar o prisma, era um espectro contínuo com as cores do arco-íris, contendo duas linhas negras muito próximas entre si, na mesma posição em que se produzia o espectro de emissão do sódio. A conclusão foi que o sódio gasoso emite e absorve luz de mesma energia. Kirchhoff deduziu que deve haver vapor de sódio na atmosfera solar, que absorve as linhas D presentes no espectro contínuo proveniente da superfície do astro, abaixo da atmosfera. Assim, a luz que chega à Terra consiste no espectro contínuo subtraído dos componentes absorvidos na atmosfera do Sol. Um raciocínio análogo pode ser feito para outros elementos presentes ou ausentes no Sol. Por exemplo, quando a luz solar atravessa uma chama de lítio antes de passar pelo prisma do espectroscópio, o resultado é o aparecimento de uma nova linha negra, inexistente no espectro solar. Em conseqüência, não deve haver lítio na atmosfera do sol. Bunsen e Kirchhoff usaram sua descoberta como instrumento de análise química e rapidamente descobriram (em 1860) um novo elemento a partir de algumas gotas de um resíduo alcalino da água mineral de Durkheim. Como este material produzia um espectro de emissão com linhas azuis, não correspondentes a nenhum elemento conhecido, eles o denominaram césio, do latim caesius, azul-celeste.

No ano seguinte, também usando quantidades extrema-mente diminutas de material, eles identificaram um outro elemento que produzia linhas vermelhas intensas no espectro de emissão. Da palavra latina rubidus, da cor de rubi, surgiu o nome do elemento rubídio.

A espectroscopia possibilitou a descoberta, em poucos anos, de inúmeros elementos químicos, em especial muitos dos que correspondiam às lacunas presentes na tabela periódica que seria publicada por Dmitri Mendeleiev em 1869. Também os lantanídeos, de separação extremamente difícil, foram prontamente identificados pela espectroscopia.

A descoberta mais retumbante propiciada pela espectros-copia, contudo, ocorreu em 1868. O estudo do espectro solar ficava facilitado durante os eclipses, quando se podia observar apenas a borda do disco solar, sem os problemas normais de ofuscamento. Naquele ano de 1868, em agosto, ocorreu o eclipse solar de maior duração do século XIX. Visível na Índia e em países vizinhos, chegou a durar, em alguns lugares, mais de seis minutos. O astrônomo francês

Pierre Janssen deslocou-se até à Índia para observá-lo. Acoplando uma luneta a um espectroscópio, Janssen pôde observar o espectro das protuberâncias solares, jatos de gás que se projetam milhares de quilômetros acima da atmosfera solar. O espectro observado daquele material excitado das protuberâncias era um espectro de emissão, uma vez que não havia a possibilidade de absorção pela atmosfera solar. Janssen descobriu que o mesmo tipo de observação também podia ser feito na ausência de um eclipse, bastando usar uma fenda bem estreita disposta tangencialmente ao disco solar, de forma a receber apenas a radiação das protuberâncias, eliminando assim o ofuscamento pelo disco solar. Janssen identificou dessa maneira os espectros de emissão de vários elementos, sendo o hidrogênio o principal. À mesma época, em outubro de 1868, o astrônomo inglês Joseph Norman Lockyer chegou independentemente ao mesmo método de observar as protuberâncias solares. Entre as linhas observadas por ele havia uma linha amarela próxima ao espectro do sódio, mas não coincidente com o espectro de nenhum elemento conhecido. Lockyer concluiu então que o sol devia ter um novo elemento, desconhecido na Terra, que denominou hélio, em homenagem ao deus grego do sol. Esta proposição foi recebida com reservas, até que em 1895 o novo elemento foi descoberto na Terra pelo químico

escocês William Ramsay. O processo de descoberta de vários novos elementos químicos, sobretudo essa espetacular descoberta do hélio no sol, 27 anos antes de ser encontrado na Terra, mostrou a extraordinária importância da espectroscopia no estudo da constituição íntima da matéria. Havia porém um problema sem solução. O que representavam os valores das energias (ou dos comprimentos de onda) correspondentes às emissões ou absorções dos elementos? E por que esses fenômenos só se operavam naqueles valores precisos de energia? O problema foi intensamente discutido por físicos, químicos e astrônomos. Não obstante, o enigma só veio a ser desvendado por um matemático, o suíço Johann Jakob Balmer (Fig. 3). Balmer obteve um doutorado em matemática e passou a vida como professor dessa disciplina numa escola secundária para moças em Basiléia.

Os físicos tentavam achar uma relação para as linhas espectrais baseando-se numa analogia mecânico-acústica, e buscavam expressões harmônicas simples que explicassem essas relações. Talvez por não ser físico e sim matemático, isto é, por não partir de posições preconcebidas, Balmer chegou em 1885 à equação que hoje traz seu nome e que expressa perfeitamente tal relação, para as linhas do espectro do hidrogênio. A equação de Balmer, que todo estudante de química geral aprende, é modernamente formulada como:

1/γ = R(1/22 – 1/n2)

onde γ = comprimento de onda correspondente à linha espectral (em cm); R = constante, que provou ser igual a 109 677 cm-1; n = 3, 4, 5, 6,...

A equação de Balmer descreve adequadamente os espectros de emissão ou absorção do hidrogênio na região visível, mas pode ser modificada para incluir também as outras regiões espectrais. Para outros elementos podem ser usadas equações análogas, mas a precisão é tanto menor quanto mais pesado for o elemento.

Além de descrever corretamente as relações entre as linhas espectrais, a relação importantíssima: os comprimentos de onda (ou as energias) correspondentes às linhas que resultam da absorção ou emissão de energia estão relacionados entre si por números inteiros (n é a variável

independente da equação, com valores dados por 3, 4, 5, 6...). Conseqüentemente, os ganhos ou perdas de energia nos átomos são discretos e também guardam uma relação de números inteiros. Está aí o germe da mecânica quântica, anos antes de sua formulação teórica, e também anterior à descoberta do elétron ou de qualquer modelo de constituição do átomo. Por isso a equação de Balmer tem tanta importância: uma expressão matematicamente simples que encerra a explicação de tantos fenômenos, cujo entendimento desafiou inúmeros cientistas por anos a fio.

Texto obtido da revista Química Nova na Escola

Carlos A.L. Filgueiras é doutor em química
inorgânica pela Universidade de Maryland (EUA) e
professor titular do Departamento de Química da
Universidade Federal de Minas Gerais.



http://www.youtube.com/watch?v=x0t-NBsSGNo&feature=player_embedded

4 comentários:

  1. Este é um texto que ajuda muito no entendimento da importância do modelo atômico de Rutherford-Bohr, para a compreender toda a discussão que até então reinava naquela época e ainda quais questões precisavam ser resolvidas naquele momento.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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